Os bancos centrais do Brasil e da China assinaram um memorando de entendimento para criar um modelo financeiro que permita que as transações comerciais entre os países sejam realizadas usando o yuan, moeda chinesa, de forma que ela depois possa ser convertida em reais.
A ideia é parte de uma agenda da China que pretende reduzir a dependência do dólar e aumentar a circulação de sua própria moeda no mundo. A balança comercial entre Brasil e China gira em torno de US$ 150 bilhões, de acordo com dados de 2022.
O país asiático é o principal destino dos produtos do agronegócio brasileiro, representando 32% da nossa pauta exportadora. Por isso, a dúvida no momento é: como esse acordo pode afetar o Brasil do agro? Ainda não há consenso sobre as repercussões no setor, até porque a negociação avançou no aspecto político-diplomático, mas está distante de uma execução prática, por enquanto.
Em conversas com economistas foram levantados aspectos negativos, como: (1) dado que o dólar é a moeda mundialmente aceita e a forma de pagamento feita por nossas exportações, estaríamos abrindo mão de acumular reservas na moeda norte-americana. (2) Além de exportador, o Brasil do agro também é importador e sem dólar em nossas reservas, teríamos dificuldades para efetuar as compras de insumos, por exemplo. (3) Pressão internacional vinda de outros parceiros comerciais como Europa e Estados Unidos.
Já do lado positivo, apareceram: (1) possibilidade de redução no custo da transação financeira, dado que hoje é preciso vender yuan, comprar dólar, vender dólar e comprar real. Isso diminuiria com a transação direta yuan-real, podendo reduzir encargos. (2) Brasil passaria a ser disputado entre Estados Unidos e China, que tentam emplacar sua moeda como fonte principal das transações, e isso poderia aumentar nosso poder de barganha e negociação. (3) A política monetária brasileira se tornaria menos dependente da monetária norte-americana. Há décadas os Estados Unidos são a primeira economia do mundo e o dólar a principal moeda para transações comerciais no planeta. A China ambiciona a posição norte-americana.
Há alguns meses, assinou acordos com a Rússia e Arábia Saudita para o yuan no comércio. Em relação ao Brasil, o governo afirma que a ideia é que o sistema com a China não seja obrigatório.
O economista André Perfeito afirma que a estratégia faz sentido para o Brasil, mas é arriscada. O Brasil pode se dar bem deixando os EUA e a China brigarem por nós. É um jogo delicado, mas não tem como o Brasil não querer fazer isso. Agora, o segredo é “vender caro” isso, afirma.
Já o economista-chefe da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul, Antonio da Luz, diz que fazer um acordo com os chineses para excluir o dólar das transações é irresponsável. “Nenhum país vive somente de exportações, somos importadores de um monte de coisas que são importantes. Sem dólares, não importamos. Veja a Argentina que só importa quando o FMI injeta dólares lá dentro. Vamos pegar nosso principal parceiro e, consequentemente, nossa principal fonte de dólares e perder? Para receber uma moeda como yuan? Isso é ridículo, irresponsável, absurdo” enfatiza.
De acordo com a consultoria Markestrat, atualmente 90% do comércio do Brasil com o exterior é feito em dólar. O movimento da China é uma evidente oposição ao dólar. “Atualmente, a China tem regras da política de controle de capitais (controle de entrada de dólar). Portanto, essa decisão (usar yuan) deverá aumentar a participação do Brasil no comércio com a China. Uma vez que contorna essa objeção,o pagamento em moeda chinesa será excelente para vender/comprar direto da China. O fato do governo chinês controlar o yuan, a desvalorização tende a ser menor, o que trará maior previsibilidade”, explica José Carlos de Lima Jr, sócio da Markestrat.
As transformações na geopolítica não deixam dúvida sobre o tamanho das ambições da China. Cedo ou tarde, acredito que esse tipo de sistema de comércio para favorecer o yuan em transações diretas será colocado em prática com o Brasil. Se assim for, é melhor que venha em forma de alternativa e não de uma obrigação.
Matéria G1