Em um recuo velado sobre sua posição no caso da ditadura venezuelana, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou nesta terça-feira (4) que os “problemas” do país vizinho devem ser enfrentados. Aparentemente, não foi uma admissão dos ataques aos direitos humanos pelo regime de Nicolás Maduro, mas um ajuste de tom, feito por alguém que está isolado em sua posição.
A fala foi feita no momento em que Lula, como chefe de governo do Brasil, assume a presidência rotativa do Mercosul, na 62ª reunião de cúpula do bloco, realizada em Puerto Iguazú, na Argentina.
– Com relação à questão da Venezuela, gente, todos os problemas que a gente tiver de democracia, a gente não se esconde deles, a gente enfrenta eles. Não conheço pormenores do problema com a candidata da Venezuela, pretendo conhecer – disse.
A declaração ocorre poucos dias depois de uma manobra judicial do regime Maduro tirar do páreo eleitoral a candidata oposicionista à presidência María Corina Machado, que foi inabilitada para concorrer a eleições por 15 anos.
A Venezuela é um tema recorrente nas reuniões do Mercosul e se tornou fator de inegável desgaste para o terceiro mandato do petista. Lula é favorável a trazer o país de volta ao bloco, formado originalmente por Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. A Venezuela foi admitida em 2012 e suspensa em agosto de 2017 por “ruptura na ordem democrática”.
A questão se torna mais delicada tendo em vista o contexto. O principal desafio de Lula na presidência do bloco é destravar o acordo comercial com a União Europeia, cujas negociações estão virtualmente paralisadas desde 2019. O bloco europeu expressou na segunda-feira uma “profunda preocupação” com a exclusão de María Corina e de outros opositores na Venezuela.
Internamente, o apoio de Lula a Maduro também não cai bem. A visita do líder venezuelano ao Brasil, em maio, conseguiu provocar desgosto até em partidos da base aliada do governo.
– Além de falta de democracia, o pior cartão de visita desse regime da Venezuela são as centenas de milhares de venezuelanos pedindo esmolas nos semáforos do Brasil. Esse é o fato – disse, à época, o presidente nacional do PSB, Carlos Siqueira. Não se trata de um aliado qualquer, mas do dirigente máximo do partido do vice-presidente, Geraldo Alckmin.
No encontro do Mercosul desta terça, o presidente do Uruguai, Luis Lacalle Pou, expressou sua oposição à recondução da Venezuela ao bloco.
– O Mercosul tem que dar um sinal claro para que o povo venezuelano caminhe para uma democracia plena que não tem hoje – disse.
Em maio, ele já havia confessado surpresa com a declaração de Lula, quando o brasileiro, durante o encontro bilateral com Maduro, afirmou que a Venezuela é “vítima de uma narrativa de antidemocracia e autoritarismo”. Na ocasião, até o presidente do Chile, o esquerdista Gabriel Boric, rebateu o petista argumentando que a questão não era “uma construção narrativa”.
Mais recentemente, o presidente colombiano, Gustavo Petro – outro nome da esquerda sul-americana -, reforçou esse coro crítico ao questionar a inabilitação eleitoral de María Corina. Petro afirmou que “nenhuma autoridade administrativa deve tirar os direitos políticos de nenhum cidadão”.
Lula vem defendendo o regime de Maduro em diversas ocasiões. Após declarar que havia uma “narrativa” contrária à Venezuela, divulgada pela direita, o diário venezuelano El Universal – um dos poucos órgãos de imprensa que se mostram independentes em relação ao governo local – publicou um editorial com o título “Lula está cego”.
No fim do mês passado, o líder petista foi capa do jornal francês Libération, sendo chamado de “A decepção” e classificado como um “falso amigo do Ocidente”. Era uma crítica aos posicionamentos de Lula frente a guerra da Ucrânia, mas também em relação ao regime de Maduro.
O constrangimento de Lula cresceu na última quinta (29). No mesmo dia, ele deu entrevista à Rádio Gaúcha, pela manhã, e discursou, à noite, na abertura do Foro de São Paulo, encontro de siglas de esquerda da América Latina e do Caribe. À emissora, declarou que a Venezuela “tem mais eleições do que o Brasil” e concluiu que o “conceito de democracia é relativo”.
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